QUEM VEM COMIGO

segunda-feira, 30 de abril de 2018

FOME

Você tem seus compromissos, eu tenho os meus, coisas do dia a dia, rotina roendo a vida com pressa, afazeres gritando venha agora, cobranças, urgências, preemências... Mas naqueles momentos que - fingindo ser acaso - nos encontramos no mesmo espaço, deixo que minha mão roce a sua, timida de princípio, nos beijamos na face fingindo amizade, sei que seu peito bate tão forte quanto o meu, sei que meu rosto fica rubro como se novamente menina fosse, cheia de pudores e medos. Quando suas coxas, em ousadia explícita, tentam se misturar as minhas, me vem um calor de aconchego, uma vontade de esquecer o socialmente correto, e de abrigar seu peito no meu peito bem achatado, apertado, amassado, virar o rosto na hora do beijo na face, oferecer a boca que está esperando faz tanto tempo que anda salivando as palavras. Depois deixar correr o vento, o tempo, as mãos nas reentrâncias do seu corpo. Deixar correr solta a imaginação desenhando o pressuposto agora com a tinta do real. E que a verdade nos carregue, nos cegue de paixão, nos envolva e nos gire na roda do incorreto, que o resto a gente ajeita com carinho pelas esquinas do acaso, se é que sobrarão restos para se ajeitar nesse mundão torto que a nossa cobiça anda inventando, sem palavras, nas horas em que roçamos nossos peitos em abraços de pretensa amizade. E doído é compreender que a sua fome é do tamanho da minha, Doído é saber que não serei eu a dizer o primeiro “tô com fome de você”. elza fraga

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

SÓ UM SER HUMANO

HOMO SUM HUMANI A ME NIHIL ALIENUM PUTO
(sou um ser humano, então nada humano é estranho para mim)

Todos somos máquinas. Nosso corpo é um emaranhado de fios, circuitos, eletricidade, correria de óleo em forma de sangue pra lubrificar tudo na medida certa.

Como toda máquina se gasta com o uso e o tempo, também nos gastamos. Como toda máquina tem alguma chance de conserto, corremos atrás dos nossos ajustes.
Vamos em busca da manutenção.
Escolhemos o técnico dentro da medida do que cabe no nosso bolso, pesquisamos muito, atrás da qualidade dos serviços.

Finalmente fechamos o acordo com o que nos parece o mais capacitado. E entregamos nossa máquina-corpo humano em mãos estranhas, clamando aos céus que tudo corra lindamente azul no nosso paraiso interior.

E só depois saberemos o quanto acertamos ou erramos na escolha do técnico.

E como nossa máquina tem várias áreas em funcionamento distinto, mas correlatos, muitas vezes um consertinho básico numa engrenagem estraga outra.

Acabamos no final dos consertos, dos ajustes, da manutenção, com todas as áreas comprometidas.
A física rateando nas curvas, pedindo mais óleo antes do tempo.
A mental precisando de terapia pra se adequar as novas condições físicas,
A psicológica perdendo a lógica e a lucidez, clamando por mais velocidade, quase queimando o HD.
E a espiritual sem forças pra buscar na fé a manutenção Superior.

Aí a gente pensa em como seria bom se já tivessem inventado a máquina do tempo.

Entraríamos nela e voltaríamos aos tempos em que um rifle, um cavalo, uma perseguição e uma bala acabava com os que destroem esperanças alheias em consertos colados no cuspe.
Não podemos, nos lembra a pequena parcela da mente que ainda funciona com pilhas vagabundas.

E que tal o tempo onde havia índios canibais? Assaríamos na fogueira quem promete e não cumpre.
Também não podemos, lembra a parcela espiritual que ainda insiste em crer que há motivo pra tudo sob este céu anil.

Bem, então que tal voltar ao tempo em que não existia medicina, em que se curava tudo com um cházinho, uma benzeção, muita fé e prece?
Aí o psicológico se recupera do trauma e grita: Eureka!
E a luz se faz.

Porque depois que a máquina começa a dar erro, não há quem dê jeito, vai só se fazendo gambiarras, emendando com fita crepe ou isolante,  fingindo que está tudo bem.

Não culpemos o técnico, então.
Não busquemos culpados no exterior com lanterna na mão, busquemos dentro.
Culpemos a nós por entrarmos tão afoitos na fila da reencarnação e prometer que aguentaríamos tudo por esta chance de estar aqui, com nossa máquina que, no final das contas, nos provou que não era a Ferrari que a gente imaginava.

elza fraga
consciente que alguns ajustes afinal não deram tão certo, portanto desnecessários eram.

SOMATÓRIO

Nos tornamos a soma do que engolimos, do que choramos escondidos no leito, do que aceitamos calados, do que permitimos, do que não falamos por receio, do que guardamos por medo do futuro, do que desperdiçamos por revolta com a vida que nos coube, do que pedimos em prece ou blasfemamos em gritos, do que ouvimos e acreditamos, do que duvidamos, do que espalhamos ao vento, das coisas bonitas ou feias que vemos, do lugar em que estacionamos, dos lugares que fugimos, das rosas que não colhemos, do tudo que matamos ou preservamos na caminhada árdua.
Nos tornamos a soma dos que deixamos entrar e sair das nossas vidas.
E é por isso que nos ardem tanto as feridas do final do nosso tempo e, como tocos de velas, nos gastamos em lágrimas enxugadas pelo  amigo vento e seu bendito lenço.

elza fraga
Se sabendo mortal apenas neste plano, mas eterna no que somou pra travessia.

DESPIDA

Eu me despi de ti.

Soltei as alças, desabotoei a alma que estava presa a tua, deixei escorregar a vestimenta lentamente até o chão.

Pisei sobre cada dobra suja.
Chutei o mais longe que consegui com meus pés já nus.
Agora, liberta, saí pela porta, nua de qualquer presença tua.

Desculpa se não disse adeus... Não deu!

O meu tempo agora é pouco pra tanta correria atrás do vento, buscando ter de volta o que havia antes de ter te vestido:
Um passado bem traçado de esperança, uma lembrança d'um alguém inexistido.

Talvez ele exista e eu só não saiba em que estrela se escondeu.

Enquanto durou até foi divertido.
Mas ninguém vive só de risos, é preciso mais, é preciso paz, voo, liberdade.

Estou pegando e desembrulhando a minha vida ela será meu presente de Natal.
O meu melhor presente é ter-me de volta aos braços meus.

Desculpa se não me doeu...

elza fraga
Querendo voar novamente, jogando fora o peso e atarrachando, de volta, as asas.

A FALTA QUE VOCÊ FAZ

Sinto falta do sorriso de canto de boca, do brilho no olho, da mão que aquecia a minha, dos sonhos que compartilhava, das teimosias, da mania de ter razão, da falta de compromisso com o tempo, das rabugices, do olhar doce que dizia tanto, das noites de mirar estrelas, dos apelidos carinhosos, das brincadeiras de travesseiros na cama, das ousadias, das horas de delicadeza, dos momentos de brutalidade, da dificuldade de ler os meus escritos, dos gritos por qualquer besteira, do violão que dedilhava nas tardes mornas, das modinhas que cantarolava, da voz rouca com que me brindava.
Sinto falta do que poderia ser.
Só não sinto falta do adeus, da porta batida na saída, do meu olho na vidraça até o sumiço na extrema esquina, da ausência que ainda me perturba e me domina, da saudade que me fere fundo.

Por mais longe que o tempo correu a sua falta no meu peito não morreu...

elza fraga
#ApenasHistória

EU ARRISCO

A vida é um carro desgovernado descendo ladeira sem freio.
Tem gente que pensa que ela é uma subida, coitados, quando se derem conta do engano já estarão no fundo do vale onde sol nem chega.
Hoje acordei com a sensação que o carro da minha vida está pegando cada vez mais velocidade, deixando pra trás a cidade e se embrenhando na mata, serpenteando serras, correndo e comendo terra como quem tem muita pressa.
Ainda ontem eu era uma moleca feliz, hoje já não sei me definir, só sei que o buraco do peito aumenta e não tem quem o suture, então aguento e finjo que sou forte enquanto a estrada da vida me ruma para o norte, para o frio, para a morte.
Talvez vire um raio de luz roubado de noite de lua cheia. Talvez vire um cometa e possa voltar, orbitando o planeta. Talvez vire adubo para o ipê da praça, aquele amarelo que atapeta o chão de outono...
Ou talvez o fim seja apenas um profundo sono de bela adormecida e sua história de cem anos.
De qualquer maneira eu sigo, não tem semáforo, não tem parada pra abastecer a alma.
A vida deve ser um grande engano, um equívoco, um sonho ou um pesadelo.
Então sigamos, com medo ou sem medo, até a colisão final.
Afinal a escolha da estrada é por nossa conta e risco,
e eu arrisco!

Elza fraga
Aproveitando a viagem.