QUEM VEM COMIGO

terça-feira, 22 de maio de 2012

ARRIBAÇÃO



Que a poesia me salve
de mim,
da borda
de precipício 
onde meus pés
passeiam,
das minhas mãos
cheias
de melancolia
e vazias
de ruídos de alegria.

Que cada verso
me liberte
as asas
e me mergulhe
no azul,

mesmo me tolhendo
os passos,

necessito voar pro sul,
atrás dos pássaros
cantando suas cantigas,
ganhar o espaço.

E só a poesia,
amiga das horas insones
e das madrugadas

pode,
por fim,

me livrar de mim.

[elza fraga]

terça-feira, 8 de maio de 2012

INVISÍVEIS



Somos todos
nesta vida
ampulhetas
escorrendo areia
na veia.

Sem opção
de virada
depois
de toda a areia
escorrida.

E ficamos passado
nas lembranças amigas
morando em fotos antigas
em molduras desbotadas.

Até que um dia sumimos
de vez
das ampulhetas
que ainda não escorreram
seus grãos

Viramos terra e chão
sem foto, sem nome,

ninguém mais
se incomoda
com nossa presença incorpórea,

ninguém lembra
nossa história,

como se, no fundo,
nunca
tivéssemos estado
neste pedaço de mundo.

Quem sabe
nunca estivemos
e somos apenas fruto
d'um sonho

num sono profundo?

[elza fraga]

GRADES INVISÍVEIS



Olho a rua,
canto,
um pássaro imita.
 
Procuro no galho
onde ele habita
sinais da comunicação
quase estabelecida.

Não o vejo,
cansou da brincadeira
e me entregou a solidão
de uma maneira
mais doída.

Abro as asas
sei que posso voar,
desisto,
quase já no ar,
volto parasita

É esta janela
da desdita

que me limita!

[elza fraga]

sábado, 5 de maio de 2012

TEMPESTADE



Destravei o seu portão
caminhei pelo quintal
atravessei o portal
entrei com bagagem 
e tudo

e você ali deitado
em convulsão

como um animal
indomado

como um feto
enrolado

no próprio cordão

nos seus olhos
olhei fundo

e neles só vi temporal.

Fiz o caminho inverso
cabeça baixa
coração quieto

voltei a rabiscar
meus versos

e desisti do seu mundo.

[elza fraga]

SILENCIADA



Sabiamente
logo eu tão sem sabedoria
[quanta ironia]
enfiei a viola no saco.

Perdi o direito de resposta
a hora certa de ferir bem fundo
o chão por baixo dos meus pés

quedei cabeça baixa pelo mundo.

Postura comprometida
e a zanga inevitável
com a vida,

mas uma coisa fiz
e bem direito

o silêncio é o xingamento
mais profundo.

[elza fraga]

ABORTO



Pensamento na cabeça?
tenho mais não
seu moço,
sirvo nem mais 
pra poesia.

Desde que a vida
me acuou
de tal maneira
que me enredou
na sua armadilha

preferi abortar a mente.

Somente assim
analgesia!

[elza fraga]