QUEM VEM COMIGO

sábado, 15 de agosto de 2015

AGORA EU SEI


[Para as minhas crianças queridas, e para a criança que ainda mora em mim, apesar de…]

Ser gente grande é tão chato
que deveria ser proibido
por um decreto de lei,

os joelhos não se vergam 
pra resgatar a baixice
e a missão se complica,

o belo visto de cima
como flores no jardim
já nem é tão belo assim,

as mãos pesadas demais
para caçar joaninhas
- tão lindas -
nos subindo pelo braço,

correr , pular, esconder,
dar língua,
ficar de mal com dedinho,
ficar de bem com abraço,

acabou a brincadeira,

crescer é a maior besteira
que a gente faz,

quero ir morar pra sempre
na terra do nunca mais!

elza fraga

CANÇÃO DE CAMINHAR NO MAR

Caminhante solitário
onde vais a caminhar?
Buscar meu barco de sonho
e colocá-lo no mar.

Caminhante por acaso
ignoras 
que é proibido navegar
no mar salgado e tristonho
com suas águas a turvar
do sangue de tantos homens
que não souberam remar?

Mesmo assim quero tentar
e se nessa travessia
o meu barco derivar
me deixo ao sabor das ondas
enquanto o corpo aguentar
rezando por calmaria,

que nada entendo de remos
nem de vento e direção
mas entendo o coração
dos donos das águas frias,

os senhores do oceano,

eles vão mudar os planos
e me deixar deslizar
por todas as noites
e os dias

até a vida passar
e afogar a rebeldia,

que a terra me dê valia
enterre meu caminhar,

aceite os restos do mar.

[elza fraga]

A DO ESPELHO



Quem me ama e me conhece...
Quem sabe das minhas preces,
não é quem me sabe sua!

É aquela que, do espelho,
me olha com olhos de medo
nas noites frias, sem lua! 


[elza fraga]

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O TERCEIRO ATO




Belo não é a pele lisa,
sem vincos,
sem identidade.
Belo não é a imaturidade
do sorriso perfeito
abrindo a juventude.
Belo não é o sabor doce da boca não colhida,
as mãos nas formas sem defeito,
a imponência da inquietude
batendo no peito.
Belo é o sangue estuante nas veias
sinalizando a saída
nas curvas da vida,
é o peso dos anos curvando a fronte,
é a fonte que se bebeu
até a euforia.
Belo é a certeza de saber
que está vindo a alforria.
E, mesmo sendo noite
e lua cheia,
já se pode morrer
antes de amanhecer o dia
descer o pano,
vagarosamente
enquanto se levita pra coxia...

(elza fraga)

SÓ?!...




Partiu como chegou,
num parto inverso,
deixou o cheiro
do seu verso derradeiro,
um buraco no meu peito
e muita dor,

e os que não entendem
me explicam
o que restou,
professores
formados em incompetência
e desamor:
Só uma flor...

(elza fraga)

SÍNDROME DO CAOS



Sangra coração
que o mundo está lhe retalhando

com tal dose de sadismo

que daria pra colorir
de vermelho
o infinito

e ainda sobraria
grito.

(elza fraga)

APOCALIPSE


...Haverá dor e ranger de dentes [Mateus - 24, 51]

Aceite
minhas murchas flores
minhas dores,
meu frio suor,
meus anos
vencidos,
meu peso alquebrado
e curvado
ao que não pude
resolver, consertar
ou construir.

Aceite meu sorriso
tatuado
e meus olhos marejados
desmentindo o riso.

Aceite todo o sofrimento
que minha alma teima em dividir
e se possível
tente não sofrer
junto comigo
aprenda a difícil arte
de fingir.

Tempo virá em que
clamarão pelos céus
os arrependidos

e não serão
- sequer -

ouvidos.

[elza fraga]

HISTÓRIA PARA ADORMECER O MEDO




Repetiram tanto
a história inventada
que a verdade (de verdade!)
se cansou
de viver a louca fantasia
de fingir que era lenda
alegoria,

e se rebelou.

Despiu a renda
que lhe cobria o despudor
Saiu a rua nua
das palavras
que lhe havia
servido de engodo e rouparia
e ainda enfraquecida dos grilhões

se libertou.

Mandou embora o medo
se coloriu com a tinta
dos imprudentes
se arrastou
com as patas do amargor
bebeu toda a fonte
da coragem

e alçou voo.

[elza fraga]

DESENXERGAMENTO




Meu olhar esconde o cisco
que me turva
a vista

só no a prazo
comigo

enxergo em módicas prestações.

E se me presto a vida
e ainda sirvo a esse deus
intolerante e sádico
chamado tempo

é porque devo isso
ao fator que me atavia

- e orna de sombras as coisas
que desenxergo -

a miopia:

minha saída
e meu ponto cego.

[elza fraga]

TECE-TURA





Observo a trama
a tecetura

que ligeira
a aranha tece
tão obscura teia
com que
nos vestem.
[elza fraga]

SETA DO TEMPO





Desculpe se não uso
a palavra
coletivo

sou de um tempo
em que encontro de poeta
era tribo

era amigo
no coração
do amigo
em abraço

selando a amizade
carimbando a poesia

livro improvisado
xerocado
grampeado
e distribuído

e cachaçada
até raiar o dia.

então
continuo à moda antiga

porque foi no passado
que larguei as malas
e desci da vida.

[elza fraga]

CAÇANDO RUMO





Qual o caminho
que leva ao passado
sem escalas 
ou conexões?

Aceita-se sugestões.

[elza fraga - em minúsculas. pf]

NA RETINA



De tudo que registrou
minha retina
retive pouco
um quase nada
nebuloso, triste,
amarelado
pelo tempo
tão menino
(corredor desatinado)
que apaga
do quadro da memória
com seu apagador mágico
a que, teimosa,
insiste
em ficar viva
ao virar o corredor
e girar o olhar
e a maçaneta
descobri
só me sobraram
as borboletas.

[elza fraga]

RECEITUÁRIO




Não quero grana
sobrante
no final do mês,
a ausência
ingênua do mistério,
seta mostrando
o caminho sério,
vida mansa em dias

movidos a tédio.

Talvez
só um remédio
que restaurasse
a alegria
pra todo dia santo
- amém! -

também
uns chocolates suiços,
meia dúzia de amigos
de verdade,
umas palavras boas
de fazer poema,
um cachorro,
um pé de alfazema,
o sol descendo pelo morro,

cairiam bem.

Que quando bate
essa vontade de chorar
no peito
até cansar o olho

desacorçoa um desconsolo
tão cretino,
viro ferida aberta
nada me dá jeito
e a semana vira só segundas-feiras
e nunca mais que vivo
novamente
um domingo.

[elza fraga]

ILUSTRAÇÃO:
DESCONSOLADO - 1907
(Witold Wojtkiewicz - Polônia, 1879 — 1909)
Têmpera sobre madeira, 65 x 80 cm
Museu de Naradowe, Posnan, Polônia

EM VERDADE VOS DIGO





Adormecer
acordar talvez
no nunca,
esperar a vez
na fila dos zumbis,
ficar por aqui
na utopia
que ensandecer é coisa fina
só pra gente
inteligente
que abomina
a lucidez
por cretina
e acredita
na volta
de um salvador
que não sai daqui,
nem Dali,
só espia
pelas beiras das cortinas
e se ri...

[elza fraga - em minúsculas pf]

POEMA TONTO




Poemei-me 
em versos brandos
tentei ser o que não era
- e não sou! -

(sou fera,
esqueci 
faz tempo
paz e amor).

Saiu só verso quebrado
e de muletas 
o coitado
do poema
segue aos trancos
e aos barrancos

sem paradeiro
sem eira nem beira
sem vontade
própria

com crise de identidade.
Sente saudade
o infeliz

dos poemas que não fiz...

[elza fraga]

PLANETA MEDO



Não sei se fico
se vou
se voo
se me escafedo
só sei que aqui
onde estou
só mora
o medo!

[elza fraga]

TRANSBORDAMENTO




Essa casa que me prende
em suas paredes caiadas
essa vida que me apaga
essa dor que não tem peito
que aguente

essa tristeza danada
escorrente
que me mela
as beiradas

ai que saudade do tempo
em que o mundo era meu ninho
e trançado de colorido
cantava no meu ouvido
palavras de acalanto
em forma de passarinho...

[elza fraga]

Fonte da imagem: Internet.

SILÊNCIO PARA NÃO DESPERTAR A ALMA




Ando tão inflada
de cansaço e tédio
que até a palavra falada
acorda a alma.

Melhor calada,
mesmo que morem
mudas
milhares delas
plantadas
enraizadas
escapando
num silêncio doído
em ramas
pelas beiradas
da minha estrada.

[elza fraga]

QUEDA


Conforme a vida
espanca
conforma
levanta
canta
com os olhos
no firmamento
até desatar o lamento
que sufoca fel
na garganta.

[elza fraga]

A SUA BÊNÇÃO QUERIDO


(Escrito em 13 de março de 2015)

E mais uma vez dia 13...
Esse caiu de cabeça
numa sexta
de lua minguada,


apertando o nó do peito
fazendo a saudade danada
desenfrear num sem jeito
de desmontar minha estrada...

Três meses da sua partida
para além
das cortinas cerradas
e ainda procuro seu jeito,
seu cheiro, sua palavra,
no meu lá dentro mais fundo...

De onde você estiver
estenda sua mão sobre mim
e mesmo que não consiga
lhe ouvir
daqui do inferno que habito
murmure no meu ouvido
Deus lhe abençoe, minha filha.

Bênção, meu pai querido.

[elza fraga]

FLANANDO

Então fica combinado
eu não lhe ataco
você não se esconde
ninguém assina contrato
ou faz regulamento
regulando o tempo escasso
só se aproveita o vento bom
e se rema
de fato
pro oceano
sem dores, sem queixas. sem danos
só planos.

[elza fraga]

ESTERTORES

Palavras.
Pra que servem
as minhas?
Quedo calada.
Falar
traz uma gastura
danada
pra boca do estômago,
uma paura
e um cansaço de mais de mil vidas
no limbo,
vividas
- não passadas
a limpo.

[elza fraga]

POEMA LOUCO NA NOITE COMPRIDA

Eu sou eu,
você é você,
diferentes, estranhos,
morando cada qual
na sua mania favorita
dentro do mesmo espaço
medido
por metro quadrado,
porque não redondo
nunca me perguntei,
sei que o mundo é curvo,
talvez,
mas certo mesmo
é que nunca sei onde deixei
a escova de dentes
e se ela escapou na curva
quando rodou o eixo
dessa terra estranha
e não mais a vista,
agora só a prazo
e com juros
e eu juro
que não me adapto
a esse novo mundo
que reformularam pra caber no bolso
de alguns poucos escolhidos
e nós dois
otários que somos
sairemos dele
com a soma exata
das nossas desconquistas,
e no final das contas
perderei você
e acharei minha escova dental
num buraco negro
perdido
no meio do nada
e ela
inerte na minha mão
parada
me cobrará dentes
brancos e perfumados
e me soprará no ouvido
num sussurro de susto
que estou morta,
e enlouquecerei
pois aprendi
aos trancos e barrancos
quase tudo da vida
mas morrer
assim
de morte bem morrida
foi minha única lição
perdida.

[elza fraga]

A PRAGA DE HAMELIN

Para, escuta,
identifica,
o som não é o que acreditas.
Vira, olha,
mira
- e corre -
sacaste agora?
Permite
te alertar pro fato:
é a evolução dos ratos.

SENTADA NO ABISMO

Deixa o desgosto de lado
que o futuro imaginado
promissor
vai chegar
quem sabe
um dia.
Espero que ainda dê tempo
de num leve cumprimento
saudá-lo
como merece
com requinte
e cortesia.
No mais
é esperar em Deus Pai
em recolhimento e prece
e aturar a covardia
comendo o pão amassado
pelo pé do inominado
até chegar a alforria.

[elza fraga]

DERRAMANDO O CANSAÇO

Tem mais de mim
em mim
que gostaria.

As vezes tento buscar
em terra estranha
- mentes alheias -
um pouco de estranheza
um olho mais atento
menos tormento.
Minha alma anda cheia
de ser eu mesma
todo o tempo!

[elza fraga]

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

POEMETO DESCOMPROMISSADO



A felicidade
(igual a tristeza)
se engaiolada
encolhe suas asas
e vaza pelas beiras.

[elza fraga]

Fonte da foto: Internet