QUEM VEM COMIGO

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O VELHO ANO ME ESPIA

O ano velho  espia,

e das frestas da ventania
sussurra que ficaria
caso pudesse parar,

me prometeu que viria
saudar o novo chegar
e até ainda agorinha
só vejo seu olho de vento
parado no pensamento
sem uma brisa no ar,

nem sopro,
aragem macia,
nem mesmo a sabedoria
pra receber sorridente
o ano que vai chegar

tão criança inocente
que nem sabe engatinhar.

Ah se eu pudesse voar
e voltar no firmamento
trazendo este ano velhinho
pra ensinar ao menino
a passar mais devagar
sem apressar mais o tempo.

Ah se eu pudesse enredar
a roda do firmamento
e num gesto ousado e lento
fazer  o tempo parar
no primeiro segundinho
deste ano tão novinho

pra nunca mais se acabar
nas curvas do pensamento
levado aos solavancos
pelas esquinas do vento.

Ah se eu pudesse
voltar!

[elza fraga]

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ABANDONOS






Fiquei

encolhida,
des-escolhida,

tão desprovida
de palavras,
de gestos,
de fatos,

parada

enquanto você
virava a esquina
indo

pra sempre

pro nada!

[elza fraga]

APOCALIPSE







[caso acaso se dê o ocaso
e a terra sacuda seus parasitas
viventes do dorso quente]

Algumas notas
de velha canção
dançando
sobre um solo nu,

um coração
batendo
em descompasso
cada vez mais longe,
cada vez mais baixo,
cada vez mais fraco,

meu relógio
em eterno atraso,

só isso
enfim,
foi o tudo
que restou de mim

após o ocaso...

[elza fraga]

Imagem: Foto de Fabio Stachi
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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

CANÇÃO PRA ACORDAR O SONHO



[Contraindicação e efeitos colaterais:
Para quem não tem controle total sobre a mente,
cuidado, escrever poesia enlouquece]

Era uma vez... Era uma vez...
um menino de sonhos
que inventei pra vocês.
Sempre que conto esta história
peço a minha lembrança
pra devolver a criança

que um dia foi meu rei.

Tinha o olho de anjo,
a pele cor do marfim,

sorriso feito de asas
voando sempre pra mim,

peito de bem querer
voz de querubim,

morava na minha infância
que era um imenso jardim.

Sempre que conto esta história
devolvo pra minha mão
o livro que escrevi,
as letras daquela canção,

a varinha de condão,
o dom da imaginação,
o sonho bom que sonhei,

e, só então,
acordo o menino
do sonho

que um dia foi meu rei.

[elza fraga]

Da série Contações de História

EMBUSTE



Acho que meu tempo
de vivente
anda nos calços
da eternidade

faz um tempão.

Desconfio
que já estou
na agonia

da prorrogação.

É premente
que comece
com maestria

a inventar

minha biografia,

não me conformo
em partir assim

vazia!

[elza fraga]

terça-feira, 27 de novembro de 2012

APRESSANDO A TEMPESTADE



Ilustração de Nicoletta Ceccoli


  Entre a pele lisa
da covardia
e a destruição
do tempo

fico com a ousadia
e as rugas
da ventania

é menos lento!

[elza fraga]

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

QUANDO MORRE O POETA



 
Fonte da imagem: overmundo.com.br
 

Tudo agora
é novo
pro poeta

e o silêncio
faz parte do jogo

não deixe
que ele acorde

e se perceba

morto

[elza fraga]

COMO ERA BOM ANTES DO TEMPO



Tempo,
como o vento, 
tem mania
de se insurgir
e estragar,

por atrevimento,

o que antes
era
calmaria.

[elza fraga]

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

TODO O CUIDADO É POUCO!



Poeta?
Cuidado!
Ninguém está a salvo,
não se iluda
com a aparente calma,

ele tem arma:
Palavra!

Coitado
do alvo.

[elza fraga]

sábado, 3 de novembro de 2012

MORADORES PROVISÓRIOS



Ninguém se prontifica
a penar o meu sofrer
para me dar descanso,

mas dizer
o que devo fazer

quantos....

[elza fraga]

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

É TEMPO DE NÃO SER



Estanca o sangue
que o peso de ser
me arranca
das entranhas,

a alma não aguenta,

que jorra,
que suja
a minha história

e, assim,

bem devagarinho,

enfim
me desinventa.

[elza fraga]

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

RETORNANTE



Arriei a bagagem 
[pesava na alma]
no quente da rua

e,
sem eira nem beira,
sem mala nem cuia,

retornei
quase nua,
olvidei que parti.

Pronto, poesia,

mesmo que você
me receba vazia,
e me puna
com o corte
da asa

eis-me,
novamente,
aqui

de volta pra casa!

[elza fraga]

SÚPLICE



Aceita-me
como sou
e só
não desiste.

Nada mais preciso,

não estamos
na filial do paraíso,

entendo até
que ela nem existe...

Aposta tudo,
persiste
confiante

até o fim

quando a velhice
enfim chegante
vir colher

o que sobrou de mim.

[elza fraga]

terça-feira, 30 de outubro de 2012

ADULTOS NÃO SÃO CONFIÁVEIS



Ouvi 
desde pequena,
por ser arredia
e avessa a estudo,
que,
quando crescesse,
se ajeitaria tudo,

ficaria grande e
inteligente...

Delírios de adultas
mentes.

O nome do que a idade
traz consigo
não é sabedoria,

é reumatismo.

[elza fraga]

VELOCIDADE



Indefinida 
a vida,
não sabe se vai
ou se fica,
mas encanta
no seu curso,

no susto,
e nó na garganta,

e tanta
veia pulsando
até quando

o inesperado
marcado

num calendário
sucinto,
avisa:

-Extinto...

[elza fraga]

FORA DA FÔRMA



Não bastou 
a sina
de nascer menina,
onde homens
acham
isso tudo
muito pouco?

Não bastaram
os fatos
desleais
de ser sem escolha

de classe social,
de lar,
de país,
de pais?

E um fulano
ou outro
'inda vem
empina o nariz
e diz

que tenho
quase tudo
pra ser infeliz,

e não compreende
o porquê
não sou...

Será que me querem
de cabeça baixa,
triste?

Sabe,

descobri faz pouco
que ou gente
não existe

ou é tudo louco.

[elza fraga]

domingo, 14 de outubro de 2012

MELHOR NÃO...



Nunca me pergunte
como vou,
amigo
...

Calha
que eu digo?!

[elza fraga]

CANSAÇO



Encruzilhada... 

Vou ou fico?
Direita, esquerda?

Esta estrada
vida
que não leva a nada

e que ainda
me obriga

a acertar a rota

me deixa

morta!

[elza fraga]

IN-EXPLÍCITO



As minhas juras
nunca são secretas,

secreta sou eu
quando digo coisas
ao pé do seu ouvido,

duvido
que desvende
a verdade
por trás

do não dito.

[elza fraga]

sábado, 13 de outubro de 2012

VOO SOLO



Se voar fosse impossível
teríamos, 
coberto de pássaros,
nosso chão.

Eu posso!

Desacredito da palavra não
assumo o risco,

que importa
os que cairam
antes de mim?

Se acredito
vo[u]o até o fim.

[elza fraga]

SOLIDÃO



Eu 
dentro da caixa
embrulhada
e enfitada,

aos pedaços,

num quarto
com portas fechadas,

que importa
a cor do laço?

[elza fraga]

VIVER, É FATO, TEM RISCO ALTO



Cheguei na tal idade 
em que a vida faz 
aquela curva perigosa,
acentuada, sinuosa
e não sinalizada.

'Se' a gente sobrevive,
não despenca no abismo
e nem sai da estrada,
fica com o direito adquirido
de falar suas verdades,

mesmo que isso irrite
a mais da metade
de amigos e similares.

Se eu já era um risco
a própria integridade,
me aguardem...

Tirei o pé do freio
e esqueci a embreagem.

[elza fraga]

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

ASSIM OU ASSADO?



Sabe aquele dia
que você sabia
que deveria ter rasgado
do calendário
ou pulado todo
em amarelinhas,
mas não achou a casquinha
de banana
pra marcar quadrado?

O meu veio hoje,
assim,
sem aviso
apareceu do nada
torto, estabanado.

Me deixou a dúvida
enfim,
fico com
Sorriso amarelo
ou cara de tacho...

Assim ou assado?

[elza fraga]

CIRANDADA



Quem me olha
e não conhece
não enxerga a esperança
dentro da minha matriz

e nem sabe
e nem diz
que eu também
já fui criança,

nem sabe as coisas que faço,
nem sabe as coisas que fiz.

Brinquei de roda ciranda,
de pique pega bandeira,
de passa anel, de amarelinha
casamento japones,
de médico, de casinha,
de pião e de boneca...

Mas quem me olha direito
e me conhece por dentro

não só sabe como diz,

que enquanto tiver ar 
no peito
vou arrumar o meu jeito
de ser criança

e feliz!

[elza fraga]

RESOLUÇÃO ANTIGA


 
[causa do meu efeito
síndrome de peter Pan]

Criança ainda
tropecei nas quinas:
perdi a mãe.

Perdi cães,
parceiros
das esquinas.

Perdi o respeito
pelo mundo
e o seu jeito.

Perdi amigos,
um o trem levou,
outro a morte
nem se desculpou,
outra o coração parou
e era tão nova
sonhava linda
nem se sabia finda,

uma se casou
e foi embora
aí a notícia só chegou
e arregalou
meu olho
antes traquina.

E acho que aí
eu decidi
a minha sina:

Nunca mais vou deixar
de ser menina!

[elza fraga]

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

FINITUDE



Poderia te nomear
meu cavaleiro galopante
defesa do meu forte,
ou quem sabe [?]
o cavalheiro amante

galante
oferecendo rosa
me mostrando
o norte,

bússola e prumo,
rumo importante
nesta vida

provisória,

mas prefiro
apenas
te deixar aqui,
contando minha história

de tão pouca sorte

na moldura imponente
a beira do meu leito

firmando o conceito
que nada é pra sempre,

até a minha morte!

[elza fraga]

ILLUMINATO



Tal e qual a alvorada
aguardando o colibri
pra planar,
riscar o traço,
desenhando a manhã,

vindo abrir o alarido
a alegria do grito
pros pardais e bem-te-vis.

Eis-me aqui
braços abertos em cruz

esperando teu abraço.

Nunca vi
nada me trazer mais luz

nem com tamanho
estardalhaço

[elza fraga]

ESCUDADA



Quero tudo
no primeiro gole

beber da vida
a posse

não perder
jamais
a taça

do bem
e da maldade
que a vida
traz

chega de amenidades.

[elza fraga]

PRESSÁGIO



Sei que me encontraria
enfim
fria, madura,
intrusa,
esclusa de mim,

ponderando
meu medo,
meu erro,
minha culpa.

Pressinto...

Se porventura
me aventurasse
no labirinto

que a vida cruza.

[elza fraga]

sábado, 6 de outubro de 2012

METAMORFOSE


 
Imagem: Estátua de Hera, deusa da família.

Parti
de onde nunca
deveria ter saido,
fugindo de ti
fugi de mim.

O trem que apitara
longe
enfim chegara ali,
aprisionando,

levando
o resto
que sobrou
do meu festim.

Cheguei

nem Deus sabe
em que estação
saltei.

O trem seguiu
e eu fiquei
ser mais extático

como
pintura sem assinatura
em tela na parede
de casa inabitada

não movimentei
nenhuma engrenagem,

estacionei
pra toda a eternidade
numa prévia
do morrer.


Sabe a estátua
do olhar perdido
no meio da praça
que cruzas
altivo como um deus
ao entardecer?

Essa
sou eu.

[elza fraga]

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

DAS CARTAS QUE ME DESTE - I



Neste dia qualquer
do mes da primavera,
ou seria do verão,
inverno,
outono?

Nada importa
sequer
a data certa

pois só quero
mesmo
que entendas
o quanto me atropela
o teu sorriso
largo, fundo,
molhado,

calado
no canto
da tua boca aberta

como promessa...

Por isso te escrevo.
Pra isso te escrevo.

Só quero que percebas
o meu medo
deste amor perder raízes

e deixar sem florir
dentro de mim
este jardim
plantado com as sementes

deste teu riso
quente

que penso meu

atravessando a morada
do pra sempre.

[elza fraga]

AMAR É COLETIVO...OU NÃO



Tem gente
que não sabe dividir
afeto,
ou ama A
ou ama B,
se começa a amar C
esquece o resto do abecedário.

Depois coloca a culpa
na corrida
louca do tempo
nos males
que nos vem com a vida
pra todos
em igual medida.

E ainda acha,
com argumentos
inusitados,

que os descartados

são os culpados!

[elza fraga]

ESTACIONÁRIO



O gosto
na lingua
lembra
a mingua

dum tempo
em que só havia
esperança,

é o passado doendo,
prisão
da lembrança.
Não foge
mesmo com portas
abertas

sem comando

feito
pesadelo
de criança dormindo
em total desmazelo

até quando?

[elza fraga]

terça-feira, 2 de outubro de 2012

RENUNCIA-AÇÃO



Quero andar no teu rítmo...
Tão difícil!

Me atropelas
nos teus passos largos,
intensos
como a fúria
do vento no rio,

enquanto tento
acompanhar
com o meu andar
tão lento,

te perco no vazio.

'Inda vislumbro teu vulto
dobrando a esquina

do final dos tempos

e sento
na quina do mundo
em cima do nada,

toda desistência,

esperando conformada
a próxima existência.

[elza fraga]

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

MAPE[L]AMENTO



Marquei a hora
e o lugar
por ironia,

agendar dor
de ida 
é idiotia,

não me contive
nem pude deixar
ela se ir
assim,
sem registrar
o estive aqui.

Chorei um mar
e afoguei 
secretamente
um monte de gente
que nem sabia
que eu existia.

Foi bem ali
naquela esquina
pendurada no ar
quando o dia nascia

que eu morria.

[elza fraga]

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A DERRADEIRA


Usei
uma a uma
todas as fantasias
mundanas,

e a cada troca
que fazia
me despia
de mim,

ficava mais nua
quase plana,

ganhava em leveza
perdia massa,

se bobeasse
flutuava.

Até esta derradeira
afinal,

esqueleto
final.

O fim do enredo,
do medo,
da trama,

nada mais ilude,
engana.

Agora é a hora
o acerto do
eu mais eu,

sem interferências,
incoerências,
insistências
do ser.

Morreu a inocência,
o não sei,

e concordo
e aceito
e assino
assassina:
Obra completa

me acabei!

[elza fraga]

SOLO DA VAIDADE



Quem é esta
por trás
desta biológica bolha
em movimento

que me diferencia
do morto,

que força a
minha escolha
e reveste
o eu
suposto?

Quem anima,
pernas, tronco, membros,
e faz meu corpo bailar
este bailado vivo e torto?

Quem é a Voz
que desliza a lingua
e se faz som e barulho
vindo dum soturno mundo
interior
que tem mais prazer
em ficar quieto, mudo
e louco?

Quem é esta alma
aturdida
que não se conhece
e vive inventando histórias,

criando a vida
que nem merece

só pra não passar
despercebida,
escura sombra sem luz
perdida,

e que luta
apeando a cruz
na beira da estrada

só pra deixar seu nome
gravado num epitáfio
-jazigo perpétuo-
fugindo da cova rasa
a que fez jus?

[elza fraga]

A LIBERDADE NÃO ABRE ASAS SOBRE NÓS



Não existe liberdade
e nem verdade,
apenas bem e mal,

deste lado do portal.
Esbravejem,
esperneiem,
cantem bravatas,

tontas baratas,

que ser livre é centelha
piscando
no horizonte

zunido de abelha
nem tão longe.

Mas a taça
onde se guarda
a preciosa
receita de voar
por altos montes

ainda está
em Mãos Alheias

cheia
do doce vinho
que embriaga
e solta amarras

em noites
de
Lua cheia!

[elza fraga]

POEMA TOLO PRA GENTE TORTA


[Desculpem se omiti o CEP]

'Não entendo' gente
que se sente
mais importante
que as outras
gentes,
e olha tudo
por cima do nariz,
como se morasse
numa ponte aérea
Rio /Paris!

Ia escrever
'Não gosto',
mas gosto é coisa
tão gostosa,
acho que
o não entendo
diz mais
sobre
como vejo
esta gente duvidosa.

Até porque sou
tortamente incapaz
de desgostar
de gente
que trilha
o mesmo caminho
e é assim,
igual a mim,

bem recheada
de defeitinho.

[elza fraga]

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CONJUGANDO DÚVIDAS



Amar é condicional?
Incondicional?
Eterno ou transitório?
Normal?
 
Pra poucos escolhidos?

...Se ama amigo
ou só se ama amante,
ficante,
namorado?
Filho, marido,
agregado?

É verbo ou
pode ser adjetivo?

...Se colorido
qual a sua cor?
Tem nuances,
tons suaves,

seria incolor
e transparente,
talvez um cinza triste,

ou raia no vermelho quente?

Se é que existe!

[elza fraga]

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O ESTRANHO



Tinha olho de borboleta
no momento da espera
na espreita
de colher a primavera,

sorriso de colibri
a adejar,
tentando molhar o bico,
num frenesi
de asas,
no doce das águas,

a calma do mar
na enseada
desaguando
a praia mansa
na alvorada,

e o corpo quente
das manhãs de verão
quando o sol,
inclemente,
castiga o vivente
até a exaustão.

Coração?
Tinha não!

[elza fraga]

Imagem: Internet

EU NÃO SOU DAQUI



Fera acuada
perdida na cidade
o trânsito
de gente comportada
 
me engole
e me desorienta.

Recuo,
me curvo
a estabilidade

e volto
perdendo a liberdade
pra jaula

clausura
no apartamento.

[elza fraga]

ESTARDALHAÇO

 
 
Imagem: O Grito de Edvard Munch


Berra
sem covardia,
esperneia,
reclama
 das tempestades,
da agonia,
 
com vontade

até saltar o olho
esbugalhando
a cara

tenha ousadia!

É pela veia
que entra o veneno
que mata
quando se é ameno,

a vida não protege
e nem alivia
o que se esconde
dela

por apatia.

[elza fraga]

Imagem: O Grito de Edvard Munch

domingo, 19 de agosto de 2012

HÓSPEDES



Quando conto
é sempre curto,
incisivo,
fraseado pouco
...
e ponto.

Quando poemo
me estendo
espreguicenta
na varanda
dos versos,

caminho inverso,

um desfiar
de não querer
acabar nunca

não se despedem
não sentem frio
não sentem fome
não sentem sono

ficam por aqui
rondando minha insônia
neste ir e vir

sem ficar
de vez
e se permitir
e se escrever,

e sem partir.

[elza fraga]

terça-feira, 14 de agosto de 2012

VOLITIVO



Tudo tão tenso.
 
Já se pode
prender
dentro das mãos
 
o fio esticado
e eriçado d'alma,
a intemperança,
a impaciência,

a velocidade da fuga.

Nada mais é volátil
ou controlável,
o irreal tomou conta
das ruas.

Olho para os
quatro lados
espio pelas nesgas do concreto
nem em suas
paredes nuas
nada é certo

só o medo,
constante e amigo,
vinca mais e mais
a profunda ruga
que rasga a testa
e resseca o grito

não há abrigo
seguro
deste lado do mundo.

Penso em outras mudanças
pras nuvens
pra esperança
mas todos os voos estão lotados
há de se aguardar
é longa a fila

de espera

me iludo
com a chance irreal
de uma desistência
ocasional

e um lugarzinho na janela.

[elza fraga]

terça-feira, 7 de agosto de 2012

PAUSA PARA DESCANS-AÇÂO


De vez em quando
mando
meu coração voar
pela janela
dos olhos

e procurar
além dos abrolhos
porto seguro,
praia em calmaria,
pra deitar um pouco
minha alma

recuperar a calma

espantar a agonia

com que o mundo
[com seus buracos
negros e profundos]

nos propicia

sem a mínima
economia!

[elza fraga]

O QUE TE DOU DE MIM



Sou feita
de amenidades,
de coisas bem pequeninas.

Nada muito elaborado
dentro deste meu tacho
de anciã, mulher, menina...

Minha alquimia impura
é mistura de manias

desencontradas,
vazias.

Não sou ouro
não sou prata

sou remendada
de lata
onde a fervura esgarçou

só o roto coração
soldado
com um raio de sol
tirado

de pleno verão
é que trago
de valor

pra colocar na tua mão.

[elza fraga]

MINAS GERAIS


[Encomendas ao meu irmão]

Quando voltar
da Minhas Gerais
me traga

de lembrança,
por favor,

o correr do rio
desde a nascente,
desenhando a montanha,
uma semente
de café
um queijo bom
em forma de pão,
um doce de leite
e um de mamão,
na memória
e na sua história
de raiz mineira,

traga-me o cheiro
que só lá existe
das manhãs

e se ainda
tiver espaço na bagagem

Traga-me a viagem
transbordando pelo olho

e nem precisa dizer nada

apenas traga!

[elza fraga]

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

FENIX-ANDO



Cantarolei
a música
que foi criada
 
quando O Criador
moldava
a minha alma

varei o tempo
com o som

foi duro descobri-la
e acertar o tom.

Meus ossos foram
se realinhando
com a cantiga
minhas veias
bombeando
sangue novo

desvesti a pele antiga
sai parida

e me reinventei
pela milionésima vez

...agora é só colher
o sorvo

e absorver a Vida.

[elza fraga]

QUANDO ME CALO



As vezes,
olhando pra dentro,
me vejo
um turbilhão de pensamentos

desencontrados,

tento escoar
toda esta lava intensa
mas a boca cala,
não consente
que eu diga
o que a alma sente
e a mente pensa
incessantemente.

Fico calada,
inflando,
e vou me conformando
com o tempo,

pois a explosão
já está
anunciada

vindo com o vento.

[elza fraga]

ALADA



Eu sei
que posso
atravessar voando
este rio

que empata meu caminho.

Triste rio
obrigado a nadar
num desafio
correndo para o mar
até não ser
mais nada
além de um fio
 
no torvelinho.

Ele é sozinho

enquanto eu
sou toda asas
a levantar
o pouco peso

...Não fosse o medo
de ousar
e trocar
o meu segredo

[perdendo a liberdade]

pelas algemas
no solo do degredo.

[elza fraga]