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domingo, 1 de janeiro de 2017

ENQUANTO TE TOCO



Enquanto te toco tento passar a energia que me abandona rápida, correndo para escapar de minhas entranhas.

E tento perpetuar no teu corpo a minha vida insana.
E tento tatuar na tua alma a minha pele pra que esta não feneça.
E tento achar na multidão alguém mais que mereça meu toque em forma de doação.
E volto sem cumprir a missão, não existe no plano dois iguais, um clone a mais, um teu ‘irmano’.

Quando te toco por saber que és o certo, o colocado no meu tabuleiro de vida em estratégica posição, o eleito, o escolhido pro leito e pra mesa, quase sinto a certeza no peito que a busca acabou, e que não foi em vão.

Quando te toco é como se cantasse uma canção antiga, contasse uma história não vivida, te desenhasse no meu corpo com a mão... E como se eu não fosse eu em verdade, fosse parte do teu todo, grudada, colada ao teu dorso por toda uma eternidade.

Mas como então ainda sinto este vazio no peito? Essa ânsia de preencher com outro nosso leito? Essa gastura que me corta alma e coração?
Por que ainda arde em mim o desejo?

E sigo tentando não desviar do caminho, repetindo pra me convencer que  basta teu carinho. Fingindo que estou satisfeita no ninho, que perdi as asas e desaprendi o voar, que a vida é só cores quando aqui estás, e que nunca mais entrarei em convulsão.

Não explodirei em outros braços mas me deixo o direito de reclamar o cansaço da submissão.
A falta que faz não ter ousado mais.
A inquietude que tua sombra, se misturando com a minha, me faz.

E assim sigo perdida em pesadelo com seres estranhos, acordando suada em meio de medos, gritando um nome que não reconheço, de um rosto que mora além da memória, e que ainda - ou nunca  - fez parte da história.

E temo achar na próxima esquina aquele que me mostrará setas novas, caminhos diferentes, e me tirará do teu porto seguro, me fazendo muda de espanto descer desse muro de lamentações.
E eu, como crente em seita recente, me farei mulher outra vez, e mais outra, ungida por braços que desconhecia, mas sabia que viriam em dia de tormenta.

E deixarei teu caminho na curva extrema!

[elza fraga]


12 comentários:

  1. Que encontre setas novas e novos motivos para continuar escrevendo.

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  2. A vida me move a mão da escrita, Ela é minha seta, meu motivo, meu laboratório cheio de gente com vidas ricas... É só copiar do personal de cada um seus suspiros de amor ou dor que a escrita sai, rsrs. As pessoas tendem a deixar escapar seu material interior, os poetas avançam o sinal e os recolhe como matéria prima. Por aí...

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  3. Já que você tocou no assunto (As pessoas tendem a deixar escapar seu material interior, os poetas avançam o sinal e os recolhe como matéria prima. Por aí...), vou opinar.
    Acho que o mundo está desvirtuado, o respeito ao outro parece tão banal que essa coisa de avançar o sinal, tão comum no mundo cibernético, beira o absurdo, extrapola, a sugar do outro a energia vital.E isso dói. Ninguém gosta de ser invadido, principalmente quando em grande parte do tempo, vc é medido ou comparado ao que não presta. Ninguem sabe de fato como o outro sente. Às vezes nem na real isso é possível. O que o poeta tira do outro é o que ele quer acreditar, pode não ser o que é. A riqueza da vida está no mistério de não sabermos tudo. Nem de nós, muito menos do outro.

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  4. Avançar sinal = metáfora! Colhemos palavras e as transformamos. Colhemos fatos e os vestimos de luz e cores. Colhemos material nas ruas, noticiários, bancos, lojas, mercados, e os lapidamos até dar formato poético. Nunca entregamos fontes, nem elas mesmas - as fontes - se reconheceriam em nossos escritos após a transformação.
    E é isso que faz do poeta um diferenciado.
    Ele segura gentilmente o escapado, o confidenciado, o que teve que sair de outro peito pra não haver explosão, e o veste de palavras ternas, muitas vezes contundentes, mas não menos ternas. E quando solta o texto ele tem que mostrar a que veio, mas não denunciar a matéria prima! Não fazemos mal ou destruímos, muito pelo contrário, embelezamos a vida e a tornamos mais mais exuberante, mais apetitosa. Um mundo sem poesia seria um mundo em preto e branco.
    Não quero esse mundo pra mim!

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  5. Onde está "os lapidamos"
    Leia-se "O lapidamos.
    Perdon!

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  6. Eu viví uma outra realidade nessa internet que tem pouco de exuberante ou excepcional...E se quer saber, acho que não gostaria de saber que fui parte de um processo poético onde não fui consultada. A vida só tem beleza se livre for. A poesia é assim também. Quando uma das partes desse processo se sente escravo, azeda.

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  7. E se você não sabe que sou mulher, vc lê mal pra burro a alma das pessoas...Nesse caso, eu. rs

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  8. e pode não haver intenção do mal, de destruir, mas pode acontecer sim.

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  9. Comigo nunca acontece, sou cautelosa, e sou das delicadezas, rsrs. Tenho um senso de cortesia que me guia mesmo nas sombras, então entendo muito de não ferir, até porque não posso ver sangue, desmaio, rsrs

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    1. Em tempo, a única vez que feri alguém foi porque fui atacada com armas sujas primeiro. Depois o ser em questão se passou por vítima, mas o grande Arquiteto do Universo sabe bem quem fere primeiro, entonce...

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