Jamais veremos juntos um ocaso.
O esplendor do mar encapelado ou calmo.
Uma estrela azul
riscando o céu.
Jamais veremos juntos
o fim da madrugada.
A alvorada abraçando a vida.
A chuva batendo na calçada.
A minha mão suada na tua mão querida.
Minha cabeça no teu coração.
Jamais veremos juntos
duendes e fadas.
Moleques sujos com os pés no chão.
O mendigo na esquina da minha rua
a esmolar afeto mais que pão.
Jamais terei minha boca na tua
nessa hora em que os solitários
adormecem tristonhos,
e só os casais ficam inventando sonhos.
Jamais conseguiremos juntos
a felicidade
de, peito no peito, presa a liberdade,
partilharmos o leito onde as loucuras
tomam forma de verdades.
Jamais veremos juntos
flores na primavera.
Eu as verei daqui, solitário cantinho,
solidário abrigo das noites vazias.
E tu - eu sei - as pisará sem ver,
neste estranho caminho de musgo,
de hera,
que imaginas de aço, de ferro,
de pedra.
Que percorres de cor
sem precisar de guia,
como se todos os dias fossem
o mesmo dia!
Seguirás teu asfalto.
Pisarás tuas pedras.
Sem conseguir enxergar
a beleza do ocaso.
Sem nunca notar
que já é primavera!